Pontos Finais - V/VIII




Meia-noite e meia.

Droga.

Alô?

Johann?

Quem é?

Você estava dormindo? Caramba, eu me esqueço dessas coisas de “fuso horário”...

Agnetha?

É sim, bobo. Liguei pra saber como está.

Estou bem. Faz um tempo desde que você não dá notícias.

Estou ocupada com a universidade. As nevascas não me deixam fazer coisa alguma, praticamente.

Islândia e suas belezas naturais.

Vou deixar você voltar a dormir. Nos falamos depois.

Está bem — estava cansado demais para discordar dela.

Bless bless.





Esmago algumas folhas avermelhadas com a ponta da bota. O chão parece um enorme catálogo de tintas em tons quentes e escuros.

Sinto muito, Hans.

Era a primeira vez que a Hannah falava sobre o ocorrido. Demorou demais, em minha opinião. Já faz três semanas desde que recebi a carta.

Bem, tente ver o lado bom. Isso revela algo fantástico!

O quê?

Você é a Hannahdamus! Podemos ganhar milhões adivinhando resultados da loteria. Aí, esquecemos de vez esse papo de ficar desenhando circuitos elétricos pra ganhar a vida.

Ela ri. É o primeiro sorriso que vejo em semanas. Acho que seus pais estão se divorciando. Não toco no assunto.

Vamos para casa?

Vamos sim.

Caminhamos pela avenida, passos lentos, cada qual com sua dor. Está tocando Bach em uma loja de discos de vinil. Hannah abre a boca pra falar e eu sou mais rápido na pergunta.

“Não vai voltar a tocar, Hans?”.

Sem graça.

Já disse que nem penso na possibilidade.

Mas você é um artista! Não pode se forçar a fazer algo que não quer só pra fugir do Schulz.
Posso e vou.

Ele não deve ser tão ruim assim. Imagine a sorte! Ter um pai violinista!

Meu pai é um maníaco com uma batuta na mão.

Coitado dele.

                Siegfried Shulz, 53 anos. Praticamente concebido e nascido dentro da Sinfônica de Berlim. Mãe sueca, de Gotemburgo, pai alemão, de Berlim Ocidental. Maestro titular e violinista Spalla nas horas vagas. Estatura mediana, loiro, olhos azuis. Padrão.

Quer ser filha dele em meu lugar?

Seu pai? Pai de uma turca? Acho que não estamos falando do mesmo maníaco.

Tento não parecer incomodado pelo que ela diz. É como dizem. Só é ofensivo se você se surpreender. Eu conheço bem o pai que tenho. Já ouvi coisas piores a respeito dele.
          O prédio cinquenta e dois se aproxima. Hannah começa a ficar inquieta. Assim que paramos defronte seu apartamento, ela dispara:

Preciso de ajuda.

Finalmente.


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