Desculpa qualquer coisa


     É com um pesar estranho que eu inicio esse texto. Não sabia ao certo sobre o que falar, mas sabia que deveria falar sobre algo. Esperei, esperei. Depois de noites sem me entregar aos braços de Morfeu, o tão sonhado assunto veio.
    
    Acordamos todos às quatro e meia, cinco da manhã. Pegamos ônibus, trens, metrôs, todo tipo de transporte público. Sempre transbordando de gente. Sempre. Os que ainda não estudam nas tão superestimadas faculdades federais/estaduais, seguem a mesma rotina, em casa, com um desejo insaciável de ver o próprio nome na lista dos aprovados. Acordar de madrugada, colocar a cabeça numa pilha de livros e ter a impressão de que nunca mais a retirou dali, até o fim da graduação. Se for mestrando e doutorando? Mais cinco ou sete anos de mares de livros até onde a vista alcançar. 

      E o motivo desse texto? Seria isso tudo uma reclamação destituída de reais valores? 
Muitos dirão: "Eu fiz isso tudo e não morri. Estou aqui, bem." 
   
   Pois então, parabéns. E o que acontece com a outra parcela de universitários e aspirantes a universitário que nada sabem sobre isso? O que realmente está acontecendo conosco? Com todos? O estudo é infinito. O esforço físico e mental, mais que constantes. A pressão é tão forte que faz parecer que todos nós estamos prendendo o ar. Mas, cada qual com seu cada qual. "Nunca se sabe", "Esse pessoal quer ir pra faculdade pra zoar".

     Nas últimas duas semanas, tivemos Rafael Fernandes, estudante de Eng. Mecânica, desapareceu por dois dias e depois comunicou a família que havia viajado para Pernambuco, sem parentes ou amigos no estado, alegando a pressão do "fim de faculdade". Wellington Araújo, estudante de Direito da UERJ, saiu para ir a aula e sumiu. Em 2014, o aluno de jornalismo Alessandro Carvalho, se jogou do prédio de Química da UERJ, deixando um manuscrito na própria mochila, o qual foi transcrito pelo seu amigo Daniel Matos, em seu blog pessoal. Em 2011, um aluno se atirou do décimo primeiro andar do prédio de Letras (também da UERJ), segurando um guarda-chuva (?) e acabou virando motivo de chacota entre outros alunos (???). Um dos alunos disse ter visto a pessoa se jogar, assim que passou por uma janela do terceiro andar. Escreveu o que ouviu de um veterano da instituição: "Parabéns, você acabou de ver o seu primeiro suicídio na UERJ.".
      

foto tirada por mim em dezembro do ano passado, no décimo primeiro andar do prédio de Letras.
      

       Segundo dados dos próprios alunos da instituição, ocorrem de dez a quinze suicídios por ano nos arredores da faculdade. Claro, os que têm testemunhas. Nada jamais é publicado nos jornais, obviamente. Os dados "oficiosos" podem ser ainda mais preocupantes: de trinta a quarenta suicídios por ano. Numa tentativa desesperada de controlar esse tipo de atitude, o núcleo UERJ pela Vida foi planejado em 2008, só vindo realmente a existir em 2010. 

     Claro, qualquer pessoa pode se suicidar na UERJ. Até eu e você. Não há controle algum sobre as pessoas que circulam nas dependências da faculdade, de forma que há um número de suicidas que não são estudantes ou professores, e sim pessoas que escolheram a UERJ como palco de seu último suspiro. Não por sentimentalismo, pura e simplesmente pela facilidade.
       
       Tantos Alessandros, Wellingtons. O que acontece? A vida passa. É rápida e sorrateira em seus jogos. Cada momento é precioso. Nem o homem, nem o rio permanecem os mesmos. Cada vez corre-se mais atrás de tudo. Estudo, trabalho, estágio, dinheiro. Depois, monografia, emprego, "contatos". Isso tudo somado a problemas familiares, dificuldades financeiras, toda uma miríade de intempéries. Você aguenta, você consegue. Quer ser pobre? Não seja fraco!
        
     Passamos a vida tentando ganhar a vida. Perdemos a vida tentando ganhá-la. E depois? 
       
         Respire e viva. Saia, fique com a família. Chore, se precisar. E não, quem comete suicídio não é fraco. Suicídio não é covardia. O sofrimento alheio é desconhecido, "terra de ninguém". Como canta a banda, cada qual em seu canto, e em cada canto, uma dor. 
        
          E que sejamos todos estudiosos de nossas próprias vidas, antes que elas acabem.


Por Isabelle Iwamura Aoyagi
       

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