Sobre mulheres que amam mulheres: "Amora", de Natalia Borges Polesso

             
     


  Numa perspectiva social, Amora não poderia estar mais de acordo à sua época: um panorama fervilhante quando às discussões de gênero e quanto à própria definição do que é “gênero”.
            
   Vencedora do prêmio Jabuti 2016 e constituída por trinta e três contos classificados entre Grandes e Sumarentas e Pequenas e Ácidas, a antologia de Natalia Borges Polesso prima pela delicadeza e sobriedade, abordando e dissecando relacionamentos homoafetivos entre mulheres durante diferentes fases da vida.
            
   Interessante abordar um aspecto curioso acerca da obra: quanto à escolha das personagens de seus contos, Polesso parece ter fugido do que é rotineiro em romances homoafetivos retratados tanto na literatura quanto no cinema. Não raro, uma mulher quase sempre mais velha e mais experiente conduzindo uma mulher mais jovem e inexperiente numa espécie de transição de descoberta da própria sexualidade. Essa configuração também é presente em Amora, contudo a autora é mais eclética quanto às formas de apresentação dessa transição de descoberta, por exemplo, fazendo figurar cenários amorosos entre mulheres já idosas, trama retratada no conto Vó, a senhora é lésbica?.
             
    Nos contos presentes na sessão Grande e Sumarentas, a autora aborda condições recorrentes em relacionamentos tóxicos. É possível acompanhar uma professora universitária num casamento heteronormativo mantendo um relacionamento extraconjugal com uma aluna; um grupo de amigas lésbicas no qual uma delas é conhecida por desfrutar das namoradas das outras e uma jovem constrangida diante à iminência de ter de apresentar sua namorada às colegas de trabalho. Polesso versa e explora sobre os traços abusivos que podem acometer todo e qualquer relacionamento existente, sempre preservando impecavelmente o papel da personagem como portadora e apresentadora dos conflitos internos da situação-problema.
            
      Os conceitos da chamada heteronormatividade e um possível e desagradável “folclore” que permeia externamente relações homoafetivas são tratados e desconstruídos com suavidade por Natalia Borges Polesso.
    
    Por vezes, a autora transfigura em anedota o revés de suas personagens, como no conto Umas pernas grossas, onde uma adolescente está constantemente questionando-se sobre a orientação sexual de suas colegas de time, com exceção de uma em particular, pois a mesma possuía namorado, vinha para o treino de unhas feitas e “tinha um caderno da telenovela Malhação com o Cláudio Heinrich na capa, e isso era o cúmulo da heteronormatividade” (POLESSO,2015)

            
     Na sessão Pequenas e Ácidas a autora apresenta pequenos contos de no máximo duas laudas, influenciados por algum tipo de fluxo de consciência. Em momentos, remeteram-me à leitura anterior de Hilda Hilst em A obscena senhora D. Narram desentendimentos, conflitos, resoluções. Em momentos, pergunta-se com quem o narrador está falando e se de fato há um narrador. Por meio da linguagem, Polesso confere riqueza e a proposta acidez homônima à sessão integrante de sua obra.

     Utilizei este e esse artigo como leitura complementar. Recomendo fortemente!
     Para ler mais sobre a obra e a autora, recomendo esta e essa matéria!  
     
     POLESSO, Natalia Borges. Amora. Porto Alegre: Não Editora, 2015.
     HILST, Hilda. A obscena senhora D. São Paulo: Biblioteca Azul, 2004


Isabelle

P.S: E sim, aquilo ali é meu bilhete único. Tava tentando matar a saudade de casa.

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