Santo de Casa - V/V

 
 
    
Dotada de uma coragem tragicômica, fui. 
Separei minha melhor calça de gabardine, uma echarpe de crepe preto. 
 
 
Não faça cena, Irishka. Não faça cena”, pude ouvir o velho Ivanov dizendo atrás de mim.
 O telefone toca.
 

Lia? O táxi já está aqui embaixo. 
 

Desculpe, acho que foi engano (...)
 

    Desligo o telefone com um baque no gancho. Então, percebo o meu próprio equívoco. 
 

Ninguém com esse nome mora aqui.”

 
 

    Logo ele, tão calado, reservado, parecia conhecer tanta gente.
    Estava absurdamente lotado. Pessoas de todos os tipos e rostos.
    Caminhei a passos minúsculos em direção à explosão floral no canto do recinto. 
    Lá estava ele, rodeado de gente, como sempre. Não podia vê-lo, mas
    sabia que estava ali, aqui, acolá. Aqui, em meu peito.
    Ali, sob camadas e mais camadas de rosas. 

    Postei-me perto da porta do banheiro, observando o movimento. 
 

Coitada da pobre.
 

   Alguém falou ao meu lado. Era o capeleiro.
       

 Quem?
 

   O rapaz fez um gesto com o queixo, apontando-me discretamente alguém que chorava
   copiosamente no meio da aglomeração de pessoas que tentavam engolir as lágrimas. 
 

Uma pena. Ficou viúva tão jovem, dois filhos para cuidar e (...)
 

 Silêncio. Acho que estou tendo um derrame.
 

(...) o que será que leva alguém a fazer isso? 
 

 Meu Deus. Só consigo pensar em russo. 
                    
                
                 Португальский, Ирина! Португальский!
 
 
Não sei. eu disse, por fim. Mal conseguia pensar. você o conhecia?
 

Não. disse o capeleiro entediado. 
 

Nem eu.
 
 
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