20 e tantos - "Quase vinte anos no vácuo do universo"

“Crock, crunch, crock, crock, crunch crunch”, é o som gostoso que faço ao dar passadas largas em uma longa avenida enlameada. O clima está friozinho e agradável até para Manaus (quase sempre abafada), a chuva passou e são quase cinco da tarde. Onde estou indo? Estou indo embora, indo buscar refúgio em algum lugar que me faça distrair a cabeça, é tudo que um jovem precisa em momentos de aflição interior.

 Às vezes, a lama respinga de volta da sandália, em minhas panturrilhas. Eu nem ligo. Enquanto caminho, meu eu interior está aconchegado em uma sala dentro da minha mente, com um grande roupão marrom escuro, as mãos limpas e frias, os cabelos úmidos e bagunçados de maneira charmosa. Uma enorme caneca de café na escrivaninha de carvalho restaurada, próxima da máquina de escrever onde este formidável texto é criado. Ah... O aroma: uma dança entre o cheiro do incenso de rosa branca e o forte café com leite na majestosa caneca. É quase como um templo de criação, é cabalístico!

 Espero materializar tudo isso em breve, só Deus sabe o que pode surgir quando a catedral literária sair de minha consciência. O cheiro de lama da avenida não é de todo incômodo, eu diria até que com o barulho que faço ao andar, ele complementa-se aos elementos no caminho.

Bem... Permita-me uma apresentação: Sir Rafael Oliveira, às suas ordens. Tenho quase 20 anos e estou de férias após um ano de faculdade, trabalho, curso, estágio, treinamento para mais trabalho, convivência com humanos, mais curso, dor, risadas, sinfonias magníficas de Ludwig Van e Wolfgang Amadeus, sentimentos negativamente pesados, sentimentos positivamente pesados etc. etc. etc.
 Caro leitor, conto-lhe aleatoriamente sobre 10% do que passei neste ano, e você está se perguntando como alguém tão novo pode ser Sir? Sim, porém contarei sobre isso depois (ou nunca, aqui). Tudo ao seu tempo, o que precisa saber agora é que sou grato por tudo que passei. Eu tenho refletido sobre muita coisa para escrever meus poemas e textos, em parte influenciado por uma certa tristeza que me assola, usando até inspiração de um sonho para o romance que estou escrevendo. Mas se tem uma coisa que descobri quando me senti perdido, é que escrever sobre o nosso interior ajuda muito. As vezes, temos tanta beleza interior que quando transformamos numa possível literatura, ficamos maravilhados. O que diabos esse cara está tentando me dizer? 

Ora, ora. Quero dizer que a cura para o problema que está dentro de nós, está dentro de nós. Você é a cura para curar você que é o problema pra curar a cura que...

Um momento, acho que errei. Não chamarei isso de "crise dos vinte anos", pois odeio expressões pós-modernas, odeio o pós-modernismo em geral e toda a imbecilização que ele agrega. Porém, para falar desses quase vinte anos e do ápice dos acontecimentos dos aproximados vinte anos cravados, preciso antes falar de uma época que chamei de "Idade das Trevas". Oui, monsieur. Uma expressão moderna que eu repudio para não usar uma expressão moderna que repudio, e falar de uma época repudiante: o ano de 2016.

  Foi o pior ano de toda a minha vida. Guerra familiar, as primeiras porradas da vida adulta, conflitos por coisas que até então eu não dava importância (quando mais jovem), pressão para entrar na faculdade por ser o último ano do ensino médio, pontadas e pontadas de todos os lados da cabeça, eram as agulhas grandes e incandescentes dos problemas me abatendo. "Eu poderia dormir hoje e amanhecer morto amanhã, Deus poderia fazer isso por mim!". Pois é. É coisa suficiente para escrever a noite toda, mas não me sinto confortável em dar detalhes demais, tenho feito aos poucos. Ora, quem sabe futuramente não reflito e solto mais a respeito em outros escritos? Há muito para explorar. E no ano seguinte, um período de coisas maravilhosas deu o ar de sua graça: meu irmãozinho nasceu, entrei na faculdade, formei-me no meu segundo idioma, iniciei em uma Ordem Templária, conheci pessoas novas incríveis, aprendi tanta coisa, fui nomeado Nobre Cavaleiro (olha o Sir explicado aí), apaixonei-me. Eu amei (ainda amo), mesmo não correspondido. Li livros inesquecíveis e escrevi poemas e textos profundos e etc etc etecetera. 

Quando você tem quase vinte anos, você está no limiar entre a velhice e a infância.

Coloco Dire Straits pra tocar, agora podemos prosseguir. É como se eu fosse um idoso-criança, cansado e entediado para algumas coisas mas cheio de energia para outras. Os olhos valorizando o que antes não se via e os desenhos animados ainda são tão legais, os amores intensificando-se e com a inocência da criança, o novo adulto se apaixona. O Amor. O Ódio. O Amor triunfa. E como um adulto consciente você tenta premeditar as relações ao seu redor, mas como uma criança inocente você romantiza uma vida que parece estar tentando te destruir e se entrega. Nem preciso falar da dor que é amar nos quase vinte anos. Mas há tanto para se ver. A vida parece ser o espetáculo que finalmente começa, a visão não está embaçada como era, a aparência de sonho das coisas foi-se para sempre. É real, agora é pra valer, a introdução enorme do filme do Tarantino acabou e o diálogo interessante finalmente te prendeu para o filme sensacional que se segue.

Por dentro, meu corpo nu está no meio do nada, flutuante e paralisado no espaço. Fui engolido e não sei o que fazer, o vácuo me sufoca, e a realidade aqui fora dói porque dentro eu mergulhei no nada. Onde estão as galáxias? Elas sumiram, resta-me um enorme corredor e eu corro nessa escuridão sem parar, nem motivo tenho. Meu querido leitor. Tudo isso pode estar acontecendo, e se estiver, parabéns! — chama-se Vida, é guiada por livre arbítrio, uma dádiva humana possibilitada pela Alma, até os Alados nos invejaram por isso! Não vamos decepcioná-los. 

 Expanda sua Alma e viva humanamente, sejamos a imagem e semelhança do Criador, com esses olhos até uma caminhada numa rua lamacenta parece ter significado. Agora, chego à uma praça histórica da cidade. Olho ao redor, o pôr do sol jogou sobre o ambiente um lençol de tranquilidade. Sento-me, observo a arquitetura gótica da igreja próxima, sorrio sozinho. O sino toca, e o sorriso singelo em mim transmuta a aura. 




Sir Rafael Oliveira tem 19 anos, é manauara, estudante de Letras, entusiasta da Filosofia e escritor iniciante. Ele nos contou como está sendo seus vinte e tantos. Caso queira contar também, envie seu relato para euiwamura@gmail.com.

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