Pontos Finais - II/VIII
— Desculpa por ontem,
tá?
— Tudo bem. Sabe que
não me importo.
— Eu tenho que crescer
e parar de agir assim... — Temos 20 anos. Eu a ouço dizer isso desde os 17.
Tento não julgar.
— Não é questão de
crescimento. Isso passa. Eu, por exemplo. Não posso ter um surto psicótico
sequer. Meus pais já guardam as facas no alto do armário e ligam para o meu
psiquiatra. E ninguém pergunta se eu estou à vontade ou não com isso.
Ela ri. Olha pra carteira
vazia ao lado. Karo ainda não chegou.
— Acho que ela não vem
hoje. Deve estar de ressaca.
— Ela estava no Tausend com você, não é?
— Como sabe?
— Faz parte do roteiro
“Brigas parentais de Aysel e Audo”. Primeiro, vem a crise econômica alemã. Depois,
a filha que não faz nada da vida além de viver na boemia. No núcleo coadjuvante
do melodrama, temos Karo Brachmann. Quando nossa protagonista, Hannah Ösdemir,
está em crise por conta das brigas dos pais, Karo leva-a para um mundo de
satisfação momentânea e inconsequente — ela me observa com os olhos céticos
emoldurados pelos óculos de fina armação — do
qual, apenas eu, Johann Schulz, serei capaz de salvá-la.
— Engraçadinho...
— Já entregou o
relatório?
— Sim, sim.
— Quem fez pra você?
— Eu mesma. Quem mais
seria? — a observo em silêncio — Arslan
fez pra mim. Já estava pronto há uns três dias. Eu só fiz imprimir.
— Sabe que não terá a
ajuda do irmãozinho pra sempre, não é?
— Você só diz isso por
que não tem um irmão engenheiro. — Sei que não falou para me ferir, mas
feriu. — Desculpe. Não queria te fazer
sentir mal.
— Não se preocupe.
Já estava de pé, ajeitando a calça jeans e o
casaco. Abaixei para amarrar os tênis. Eram pretos, modelo simples. Quando
levantei, já não havia mais Hannah. Outro espécime feminino tomara o seu lugar.
— Hans?
— Johann, na verdade.
— Bem, é que eu ouço a
Hannah te chamar assim o tempo inteiro.
— É uma piada interna.
— Ah, tudo bem. —
Emendou, constrangida — Então, teremos
uma festa na próxima sexta. Será do outro lado do rio. Passo o endereço depois —
Me esforço para parecer o mais interessado possível — Espero que vá.
— Agradeço o convite.
Saio da
sala o mais rápido possível. Corre o boato de que Liesel tem um “ligeiro” interesse por mim. Nossas
famílias se conhecem. Prefiro não arriscar.
Ando
pelo pátio em direção à saída do campus e meu telefone vibra no bolso de trás.
“Toute Sweet. Hoje. Quatro
da tarde. Traga a carteira.”
Adoro a
maneira como distribui seus pontos finais.
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