Pontos Finais - VII/VIII

    Sinto-me terrível.

Como assim? Mesmo eles não querendo, vocês vão ficar assim? Inertes?

Minha vó estava com ele. Ele a procurou e ela, como toda boa avó,  acolheu-o. Morou com ela em Istambul por dois anos. Conheceu uma moça do norte da Turquia. Casou-se e teve um filho. E essa é a última notícia que minha avó teve dele.

Como assim?!? — Me levanto. Hannah se assusta. Não dá mais pra aceitar isso tudo — Ele some, coloca sua família em problemas e é assim? Acabou? Se fosse meu irmão eu..

MAS NÃO É! — Ela grita. Os garçons nos observam. O bar está vazio. — VOCÊ NUNCA ENTENDERIA!

CLARO QUE ENTENDERIA!

Biz Türk olan! Nós nos damos o respeito! Não forçamos pessoas que não nos querem a nos aturar! Você é um “Alemão Puro”. Não entende isso!

 Minha avó é sueca...

E daí? Vocês são todos iguais! Acham-se melhores que todos! Acha que não sei o que seu pai acha de mim? Não se pode julgar alguém apenas pelo lado do muro em que a pessoa nasceu!

                Hannah começa a chorar. Cada lágrima parece um alfinete em meus pulmões. Mal consigo respirar. Deixo uma nota de vinte euros sobre a mesa, pego sua mão e saímos em direção a rua, já escura.
                Caminhamos um quilômetro e meio em silêncio. Já na porta do apartamento, ela havia parado de chorar. Parecia mais calma.

— Desculpe. Não quis dizer aquilo. Não queria me meter nos seus assuntos familiares.

Eu sei que não. Não se preocupe. Desculpe atrasar seu treino de boxe. Sei que tem faltado demais por minha causa...

Vale a pena.

                É outono. Uma minúscula folha de Bouganville cai sobre o meu nariz. Ela ri e prontamente a remove, com um sopro.

                E a distância espacial que antes existia entre nós, desapareceu.

                Um cão late ao fundo.

                Está tocando Rammstein em algum apartamento.

                Um carro passa na avenida.

                Começa a ventar.

                Um perfume doce se espalha pelo ar.

                Hannah está na ponta dos pés e acaba deixando a bolsa com o vestido cair no chão, seus braços logo tratam de se enrolar nos braços mais próximos.

                Stoppt.

                Encaramo-nos um longo tempo. Ela abaixa, pega a sacola. Ri para mim (ou de mim) e entra em casa, deixando-me sem explicações nem respostas.


                Durmo uma noite sem sonhos.

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