20 e Tantos - "Eu só rezava pro fundo nunca chegar(...)"
"Faz
mais ou menos uns dois anos desde que minha digníssima mãe ligou-me pela última
vez.
Quando
volta pra casa?
Sei lá.
Tenho que trabalhar.
Tá bom,
meu filho.
Ela morreu.
Isso é só um detalhe.
Fiquei
pensando o dia inteiro. O que escrever, o que almoçar. Alimento intelectual,
alimento no intelecto.
Vim pra cá procurando um Eldorado, Atlantis. Algo
completamente novo, perdido no tempo. Aquela sensação de querer patentear uma
invenção, ficar milionário à custa da própria criatividade.
“Será que alguém já pensou nisso antes?
Já, claro que já.
Passei
a vida pensando ser o suprassumo da originalidade. O único. Encontrei uma
mulher que me fazia sentir assim.
“Claro, tinha que ter mulher no meio”, você
provavelmente está pensando.
Por que
fez isso comigo? Você me fez pular com os dois pés num poço.
E o
pior.
Eu sempre soube.
Fui cínico o suficiente pra fingir acreditar nas suas mentiras quase prosaicas.
Eu só rezava pro fundo nunca chegar.
E chegou, acordando meus sonhos aos berros.
“Pra que fui visitar a Índia que há se não há
Índia senão a alma em mim?”
Tu me arrastaste até aqui.
Tirou-me tudo, até o sotaque. Agora, vivo por aí, pelas Óperas, enrolado nos
arames. Cachecol, casaco.
“Lindo, Professor Mascarenhas. Lindíssimo.”
Patético.
Você trouxe o fundo do poço pra
mim em uma bandeja.
Eu,
tolo, bebi.
Onde
você tá agora? Será que está bem?
Será
que está lendo isso? Será que sabe que estou falando de ti?
Não faz
essa cara de paisagem.
Tô
falando contigo.
Ainda se lembra de mim?"
J. W. Mascarenhas
tem 29 anos, é um paraense perdido em Curitiba há três anos, virginiano,
professor e filósofo de boteco nas horas vagas. Seu relato teve sua formatação mantida a pedido do próprio.
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